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A ineficiência do jacobinismo judicial - Fernando Capez

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A ineficiência do jacobinismo judicial

A ineficiência do jacobinismo judicial

A Assembleia Nacional Constituinte, transformada por sufrágio universal em Convenção Nacional, assumiu o governo francês em setembro de 1792. Em suas reuniões, à direita, ficavam os deputados girondinos que desejavam consolidar as conquistas burguesas, estancar a revolução e evitar a radicalização. Ao centro, ficavam os deputados da Planície ou Pântano, assim denominados por agruparem-se na parte mais baixa do plenário, formado basicamente por integrantes da burguesia, sem posição política fixa. À esquerda, o partido da Montanha, assim chamado pois seus membros ficavam nas cadeiras mais elevadas do plenário, composto pelos representantes da pequena burguesia jacobina que liderava os sans-culottes, defensores da agudização da Revolução. O conflito entre as facções políticas se agravou à medida que cresceram as dificuldades econômicas e militares. As expressões “direita” e “esquerda”, utilizadas hodiernamente para designar um posicionamento político “progressista” ou “conservador”, são heranças desse período.

Durante a convenção, liderada pelos girondinos, foram descobertos documentos secretos de Luís 16 no Palácio das Tulherias, os quais mostravam seu comprometimento com o rei da Áustria, na tentativa de restauração da monarquia. Tal fato aumentou a pressão para que o julgamento da família real fosse acelerado, com sua consequente condenação por traição à pátria. A Gironda dividiu-se. Uma parte optou por um indulto, enquanto a restante votou pela pena de morte. Por sua vez, a Montanha, reforçada pelas manifestações populares, exigia a execução do rei, como indicação do fim da supremacia girondina no processo revolucionário.

Em 21 de janeiro de 1973, Luís 16 foi guilhotinado na Praça da Revolução. Vários países integrantes da aliança política da família real, como Áustria, Prússia, Holanda, Espanha e Inglaterra, indignados com o ato e temendo ações similares em seus territórios, formaram a Primeira Coligação contra a França, encabeçada pela Inglaterra, financiadora de grandes exércitos, com o propósito de barrar a ascensão da burguesia francesa.

A ameaça externa se somava à crise econômica, às divisões políticas, à insatisfação popular e aos levantes antirrepublicanos regionais, tais como o da revolta da Vendéia. Comandando os sans-culottes, os jacobinos, em 2 de junho de 1973, tomaram a Convenção e prenderam os girondinos. Marat, Hébert, Danton, Saint-Just e Roberpierre assumiram o poder, dando início ao período que se denominou de Convenção Montanhesa.

Devido ao predomínio da atuação popular, o período caracterizou-se pelo seu radicalismo. Ainda em 1793, foi aprovada a Constituição do Ano I, consagrando o sufrágio universal e a democratização. O governo era dirigido por um grupo jacobino liderado por Danton, chamado de Comitê de Salvação Pública, responsável pela administração das contas internas e segurança nacional. Hierarquicamente abaixo, havia o Comitê de Salvação Nacional, responsável pela segurança interna e julgamento dos opositores da revolução por um Tribunal Revolucionário.

Durante o período montanhês, a radicalização política chegou ao seu auge, levando grande número de pessoas à guilhotina, sob a acusação de partidarismo ao regime monárquico. Os ânimos ficaram ainda mais agitados com o assassinato de Jean-Paul Marat, idealizador do panfleto revolucionário L’Ami du Peuple (“O amigo do povo”), ídolo dos sans-culottes. Danton, considerado excessivamente moderado por parte dos jacobinos, foi expulso do partido, dando lugar a Maximilien Robespierre. Iniciou-se o período do Terror, marcado pela execução de milhares de pessoas acusadas de traição, desde Maria Antonieta, ex-rainha, até Georges Jacques Danton, idealizador do Tribunal Revolucionário.

“O simples fato de ser denunciado (quer por motivos justos, quer por animosidade pessoal) tornou-se praticamente suficiente para assegurar a execução (principalmente a guilhotina). Tem-se calculado o número total das pessoas que foram julgadas e condenadas durante o período do Terror em cerca de dezessete mil (só em Paris, duas mil e quinhentas); se acrescentarmos a esse o número de execuções sem julgamento, de mortes na prisão, etc., o total final poderá cifrar-se entre trinta e cinco e quarenta mil mortes. Destas, apenas 15% pertenciam ao clero e à nobreza, cabendo uns sólidos 85% à burguesia, ao campesinato e aos trabalhadores das cidades”.

Não são raras as oportunidades nas quais, a pretexto dos mais belos fins, injustiças são cometidas. Objetivando dar cabo ao Ancién Regime e instaurar a era das luzes, o radicalismo ideológico dos líderes revolucionários levaram a França ao terror despótico jamais visto no período monárquico. Robespierre, utilizando-se da ameaça perpétua da guilhotina, impôs novos padrões morais à sociedade francesa, traduzindo o fiel exemplo dos bons princípios como pano de fundo para o arbítrio.

O fanatismo de Robespierre, infelizmente, tem se repetido com frequência até os dias de hoje. Sob o pálio do combate à criminalidade, às vezes autêntico, às vezes dissimulado, tem sido rotineira a agressão ao Estado de Direito. A afoiteza, muitas vezes fruto da inexperiência, tem sacrificado a eficácia da persecução penal e as condenações obtidas nas instâncias inferiores acabam invalidadas pelo atropelo ao devido processo legal.

Como ocorreu na sequência do 11 de Setembro nos EUA, quando a imprensa abandonou seu papel crítico e atuou como porta-voz da “doutrina Bush”, cooperando com a farsa da acusação do Iraque de possuir armas de destruição em massa, aqui também a mídia estimulou e foi conivente com arbitrariedades cometidas por agentes públicos, notadamente no que tange a utilização de provas ilícitas, conduções coercitivas ilegais, prisões preventivas como meio de obtenção de delações premiadas, parcialidade do juiz sentenciante e supressão do direito ao contraditório e à ampla defesa.

O vazamento das mensagens trocadas entre os representantes do Poder Judiciário e procuradores da República maculou o princípio da impessoalidade da acusação e da imparcialidade do juízo. Revelou-se que todo o procedimento investigatório e o processo foram preordenados para a condenação já sabida antes mesmo do início da persecução penal. Com a cooperação da imprensa, usada para pressionar os tribunais, eliminou-se por completo o direito constitucional à ampla defesa, com o objetivo de dar maior substância à denúncia, sempre vislumbrando o acolhimento da pretensão acusatória, de antemão já dada como certa.

As testemunhas de defesa, os laudos técnicos, as exceções de incompetência, territorial e material, os embargos de declaração e os infindáveis recursos serviram apenas como verniz de legalidade ao jacobinismo judicial, abalando-se os pilares mais elementares do Processo Penal.

Uma nação fundada sob pilares democráticos sólidos prescinde de heróis. Para a defesa dos mais nobres valores, como liberdade e honestidade, é o Estado de Direito quem deve prover as ferramentas. Nas palavras de Madison: “Se os homens fossem anjos, não seria necessário governo algum. Se os homens fossem governados por anjos, o governo não precisaria de controles externos e internos”.

Assim como a guilhotina cortou a cabeça dos contrarrevolucionários, investigações abusivas têm maculado impunemente biografias.

Alguns julgamentos, hoje em dia, muito se assemelham ao Tribunal Revolucionário de Danton. Provas de “ouvir dizer” ou imputações vagas em delações de corréus foram tidas como suficientes para embasar a acusação, na qual o mínimo de elementos probatórios deu lugar à mera convicção íntima e não fundamentada do acusador.

Tardiamente, a permissividade da imprensa com tais abusos foi suplantada pela resposta da comunidade jurídica nacional. Uma a uma, as sentenças condenatórias vêm sendo retificadas ou anuladas pelos tribunais superiores, os quais reiteradamente têm restabelecido o Estado de Direito.

Não há combate viável à corrupção que não passe pelo caminho da legalidade e da constitucionalidade. Sem jacobinismo, sem a sanha persecutória, com sobriedade e equilíbrio, os agentes públicos devem se pautar pela estrita legalidade, atendo-se exclusivamente à prova dos autos. Não se pode fazer da jurisdição plataforma política ou meio revolucionário da sociedade. Sua decisão deve decorrer da apreciação das provas, e não de seu íntimo desejo. Como dizia o já falecido ministro da Suprema Corte dos EUA, Antonin Scalia: “Um juiz que nunca decide contra sua vontade não é um bom juiz”. Devemos todos trabalhar para que a análise serena e objetiva da prova dos autos suplante a vontade pessoal de fazer justiça com base em achismo ou desejo pessoal. A democracia agradece.

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