O poder investigatório do Ministério Público
Recentemente, em 07/12/2010, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal reafirmou a legitimidade de investigação empreendida pelo Ministério Público.
Tal entendimento foi exteriorizado no bojo do Habeas Corpus n. 93.930, em que o Ministro Celso de Mello combateu os dois argumentos mais comuns para anular aludida legitimidade do Órgão Ministerial para investigar: a) a suposta ausência de fundamento legal a respaldar tal atividade; b) a alegada exclusividade – ou monopólio – da Polícia na tarefa de apurar a prática de qualquer infração penal e sua autoria.
Segundo a decisão exarada, as atribuições conferidas ao Ministério Público pelo art. 129 da Constituição Federal não seriam taxativas, pois o próprio dispositivo legal, ao delimitar o rol de funções acometidas à instituição, estabeleceu, expressamente, em seu inciso IX, que: “São funções institucionais do Ministério Público: (…) IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.”
Argumentou-se que, ao perfilhar posicionamento contrário, isto é, restritivo, no sentido de que a investigação seria monopólio da Polícia, o operador do direito seria obrigado a enfrentar uma difícil questão: o que sucederia com as diligências investigatórias encetadas no âmbito dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário?
Em consonância com o voto externado, inúmeras investigações empreendidas por órgãos não policiais seriam consideradas inválidas, concluindo, assim, que o ordenamento constitucional não impede que outros órgãos estatais, diversos da Polícia, promovam, em suas respectivas áreas de atribuição, atos de investigação destinados a viabilizar a apuração e a colheita de provas. Para tanto, alguns exemplos são citados: (a) investigações realizadas pela Receita Federal (Delegacias da Receita e seus ESPEI) (b) pelo Bacen (Decif e COAF); (c) pela Controladoria-Geral da União). (d) pelas CPI (art. 58, § 3.º, da CF/88); (e) inquérito a cargo da Corregedoria da Câmara dos Deputados ou do diretor do serviço de segurança (no caso da prática de uma infração penal nos edifícios da Câmara dos Deputados – art. 269 do Regimento Interno da Câmara); (f) as investigações realizadas pelos órgãos estaduais ou municipais correlatos aos federais (Receitas, Corregedorias, Comissões Parlamentares); (g) pelo INSS (crimes contra a previdência social); (h) pelas Delegacias do Trabalho (crimes contra a organização do trabalho, especialmente o trabalho escravo); (i) pelo Ibama e pelos órgãos estaduais de proteção do meio ambiente (infrações penais ambientais).
Além dessa linha argumentativa, propugnou-se que, segundo a teoria jurídica dos poderes implícitos, quando a Constituição Federal concede os fins, proporciona também os meios, de modo que para o pleno exercício da competência constitucional, conferida ao Ministério Público no art. 129 da CF, é necessário lhe dotar de todos os meios, de forma a lhe possibilitar a colheita de prova e a concretização de sua atividade fim, que é a propositura privativa da ação penal pública.
Por fim, a alegada exclusividade – ou monopólio – da Polícia na tarefa de investigar a prática de qualquer infração penal e sua autoria foi afastada sob o argumento de que a função de polícia judiciária não se confunde com a função de investigação penal, conceitos estes distintos. Os organismos policiais, detentores da função de Polícia Judiciária, não teriam no sistema jurídico brasileiro o monopólio da competência penal investigatória.
Muito embora o art. 4º do CPP proponha um conceito de polícia judiciária, o mesmo, de acordo com o aresto, seria equivocado, pois não distingue as duas funções, ao contrário do que preceitua o art. 144, §4º, da CF. A Polícia Judiciária, na realidade, daria suporte ao Poder Judiciário para execução de seus atos ou cumprimento de decisões judiciais, na medida em que propicia os meios materiais e humanos para a concretização dos mesmos, por exemplo, condução coercitiva, busca e apreensões, execução de mandados de prisão, penhoras etc. Esta função, sim, segundo o acórdão, constituiria monopólio da Polícia, ao contrário do poder de investigar.
Note-se que aludido entendimento acabou por reforçar a interpretação já expendida por essa mesma 2ª Turma, em 10/03/09, no julgamento do HC 91.661, Relatora Ministra Ellen Gracie, que reconheceu, por unanimidade, que assiste ao Órgão Ministerial o direito de proceder à realização de investigações criminais, ponderando não haver “óbice a que o Ministério Público requisite esclarecimentos ou diligencie diretamente à obtenção da prova de modo a formar seu convencimento a respeito de determinado fato, aperfeiçoando a persecução penal”.
*Fernando Capez é Procurador de Justiça licenciado e Deputado Estadual. Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Mestre em Direito pela USP e doutor pela PUC/SP. Professor da Escola Superior do Ministério Público e de Cursos Preparatórios para Carreiras Jurídicas. Autor de várias obras jurídicas. www.fernandocapez.com.br – https://twitter.com/FernandoCapez