JUSTIÇA COM AS PRÓPRIAS MÃOS E DEMOCRACIA
No dia 20 de fevereiro de 2013, durante a partida entre Corinthians e San José, em Oruro, Bolívia, válida pela Taça Libertadores da América, um corintiano detonou um sinalizador naval para comemorar o primeiro gol da equipe alvinegra, vindo a atingir e matar um adolescente de 14 anos da torcida adversária.
O responsável pela conduta, um brasileiro nato, de 17 anos de idade, confessou ter sido o autor da detonação do artefato, mas negou qualquer intenção de matar, afirmando ter havido erro na manipulação. No Direito Penal, é o chamado homicídio culposo (acidental).
No afã de dar uma satisfação à opinião pública, a polícia boliviana, que se encontrava no estádio e permitiu o ingresso e a utilização dos sinalizadores, para se eximir de responsabilidade, fez uma operação arrastão e prendeu 12 torcedores, já fora de situação de flagrante, muito tempo após o fato. Cinco deles sequer estavam no estádio no momento do disparo. Permanecem encarcerados desde então.
A confissão do menor, inicialmente, despertou desconfiança por parte da opinião pública quanto à possibilidade de ser uma armação. No entanto, as imagens de televisão veiculadas no programa “Fantástico” comprovaram que o menor, de fato, detonou o sinalizador.
As autoridades bolivianas já se aperceberam do prognóstico desfavorável da investigação. Os argumentos da prisão caíram todos por terra. Não se demonstraram, até agora, nem indícios da participação dos detidos, nem quais investigações estão sendo feitas para justificar a manutenção da prisão preventiva.
A prisão é claramente ilegal, e a questão é mais política do que jurídica. Dois fatos são exigidos para a libertação: pagamento da indenização à família do menor e punição do menor responsável pelo incidente. Todos absolutamente legítimos e lógicos. O erro está em colocar a prisão de 12 inocentes como condição. Tal conduta se aproxima muito da extorsão mediante sequestro.
O recurso à Corte Interamericana de Direitos Humanos por violação ao Pacto de San José da Costa Rica, assinado pela Bolívia em 1969 e incorporado ao seu ordenamento interno em 1993, neste momento, só acirraria os ânimos e levaria a uma radicalização ainda maior por parte das autoridades bolivianas, prejudicando o andamento dos trabalhos de negociação política e diplomática. Quem quer ajudar não deve jogar lenha na fogueira.
Essa recomendação foi dada em reunião que tive no Palácio do Itamaraty, no dia 27 de março, com o Secretário-Geral das Relações Exteriores e seis embaixadores. A Bolívia, em retaliação, poderia retirar-se do Tratado, deixando a solução para o seu pouco democrático sistema judicial. O menor pode responder pelo crime aqui no Brasil, devido ao princípio da personalidade ativa (aplica-se a lei brasileira ao crime cometido por brasileiro fora do Brasil). Quanto à indenização, o Corinthians já se propôs a oferecer ajuda financeira à família da vítima. A questão está encaminhada.
A recente ida da seleção brasileira a Santa Cruz de La Sierra ajudou muito, pois ela é adorada pelos bolivianos. Por lá, conversei com o Vice-Ministro do Interior e Polícia, Dr. Jorge Pérez Valenzuela, e voltei otimista para o nosso país.
A serenidade acabará prevalecendo e, em breve, o processo será analisado com ponderação, levando à soltura dos 12 brasileiros. De tudo, só restará uma mágoa indelével. Nada trará de volta a vida do adolescente estupidamente morto.
Que o verdadeiro responsável seja punido, mas de acordo com a lei, fora da qual não pode existir democracia.
*Fernando Capez é Procurador de Justiça licenciado e Deputado Estadual. Mestre pela USP e doutor pela PUC/SP. www.fernandocapez.com.br https://twitter.com/FernandoCapez