INTERROGATÓRIO E PROCESSOS DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DOS TRIBUNAIS
Com o advento da Lei n. 11.719, de 20 de junho de 2008, inúmeras modificações foram operadas nos ritos procedimentais do Código de Processo Penal. Isto porque a nova reforma processual penal instituiu a audiência única (CPP, arts. 400 e 531), em que se concentram todos os atos instrutórios (tomada de declarações do ofendido, inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222, caput, deste Código, esclarecimentos dos peritos, acareações, reconhecimento de pessoas), passando o interrogatório a ser realizado após todos esses atos da instrução probatória, reforçando-se a sua natureza de meio de defesa.[1]
Como se percebe, mencionada alteração legislativa surtiu alguns reflexos no sistema do interrogatório, na medida em que este, no procedimento ordinário e sumário (bem como na 1ª fase do procedimento do júri), era o ato inaugural da instrução criminal e, agora, deixou de sê-lo, passando a finalizá-la. Além disso, o mesmo era realizado em audiência isolada, seguida da audiência para oitiva da testemunha de acusação, e, posteriormente, da defesa; agora, se insere dentro de uma audiência única, em que são produzidas todas as provas do processo.
Pesem embora essas transformações, em algumas situações, o interrogatório continua a constituir um ato processual isolado: (a) na hipótese em que o acusado, citado pessoalmente (CPP, art. 367) ou por hora certa (CPP, art. 362, com a redação determinada pela Lei n. 11.719/2008), torna-se revel. Nesse caso, poderá o juiz, uma vez comparecendo o acusado, proceder ao seu interrogatório (CPP, art. 185); (b) na hipótese de o juiz realizar novo interrogatório de ofício ou a pedido fundamentado de qualquer das partes (CPP, art. 196). O art. 384, § 2º, prevê a possibilidade, na situação de mutatio libelli, de o juiz proceder a novo interrogatório. De igual maneira, será possível um novo interrogatório após a audiência única, quando for concedido prazo para a apresentação de memoriais por força da complexidade do caso ou número de acusados (CPP, art. 403, § 3º) ou quando ordenada diligência considerada imprescindível (CPP, art. 404). Em tais circunstâncias, como se vê, é admissível um novo interrogatório.
Da mesma forma, em alguns procedimentos especiais, o interrogatório permanece como primeiro ato da instrução (Leis n. 8.038/90 e 11.343/2006, por exemplo). Assim, preceitua o art. 7º da Lei n. 8.038/90 (processos de competência originária dos tribunais) que, recebida a denúncia ou a queixa, o relator designará dia e hora para o interrogatório. No entanto, em face do disposto no art. 394, § 5º, que prevê a aplicação subsidiária do procedimento ordinário ao rito especial (CPP, art. 394, § 5º), passou-se a questionar se, diante de tal prescrição legal, o interrogatório também deveria ser posterior à instrução probatória.
Recentemente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal[2] decidiu que a Lei 11.719/2008 incide nos feitos de competência originária do STF, cujo mencionado ato processual ainda não tenha sido realizado. Dentre os argumentos propugnados, aduziu-se que: (a) aludido entendimento conferiria ao réu a oportunidade para esclarecer divergências e incongruências que eventualmente pudessem emergir durante a fase de consolidação do conjunto probatório, possibilitando o exercício de sua defesa de forma mais eficaz; (b) numa interpretação sistemática do Direito, o fato de a Lei 8.038/90 ser norma especial em relação ao CPP não afetaria a orientação adotada, porquanto inexistiria, na hipótese, incompatibilidade manifesta e insuperável entre ambas as leis; (c) a própria Lei 8.038/90, em seu art. 9º, autoriza a aplicação subsidiária do CPP; (d) ainda que se leve em conta tal entendimento, nada impede que o próprio réu, caso queira, solicite a antecipação do seu interrogatório.
Por fim, vale mencionar que essa interpretação inovadora poderá ser estendida para outras leis especiais, que apresentam o interrogatório como o primeiro ato do processo, como a Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas).
[1] Vide também CPP, art. 411, com a redação determinada pela Lei n. 11. 689/2008, a qual alterou o procedimento do júri.
[2] Plenário, AP 528 AgR/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 24.3.2011. (Brasília, 21 a 25 de março de 2011, Informativo do STF nº 620)