Descriminalização da Maconha: Impossibilidade
A polêmica continua estimulando o debate sobre a descriminalização do porte da maconha para consumo pessoal.
Após a consolidação de posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre o crime do artigo 28 da Lei de Drogas (STF, 1ª Turma, RE 430105 QO/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 13/02/2007, DJ 27/04/2007, p. 00069), hoje discute-se se tal figura típica deveria sofrer revogação no Brasil.
Nosso posicionamento em relação a esse tema já está bem consolidado – somos contrários à descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal. Não faltam argumentos para embasar nossa opinião e estamos convencidos da lisura de nossa vertente ideológica e social. Temos inclusive projetos de lei relacionados ao tema, para instituir atividades pedagógicas, nas escolas da rede pública e privada de ensino, objetivando transmitir aos alunos informações sobre as consequências do uso de drogas lícitas e ilícitas (PL 326/2009).
O tráfico e o consumo de drogas, por força do fracasso na atual política nacional e internacional de prevenção e repressão a esses dois grandes males que assolam a nossa sociedade neste milênio, vêm assumindo proporções devastadoras.
A comunidade – não apenas brasileira, mas global – assiste estarrecida a juventude sendo cooptada e viciada pelos traficantes de drogas, que pensam apenas no lucro, destruindo famílias e indivíduos, vendendo, prima facie, sensações de prazer, e entregando, no plano concreto, a morte e a perda da dignidade e mácula da personalidade dos usuários.
Algumas soluções são propostas, nesse sentido, dentre elas, a descriminalização da posse de drogas para consumo pessoal, em especial, da maconha, sob o argumento de que o usuário deve ser tratado e não apenado, tal como ocorre com os dependentes de álcool e tabaco. Em sentido técnico, deslocar-se-á a tutela do Estado do sistema criminal para o âmbito médico, assistencial e psicológico.
Tal argumento não possui sequer base para iniciar a discussão.
Nossa legislação não pune aquele que consome substância entorpecente, devendo tal questão ser analisada com maior reflexão, à luz do que dispõe a Lei n. 11.343/2006, a chamada Lei de Drogas.
O art. 28 dessa Lei prevê que “Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. § 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.“(destacamos).
Como se percebe, em momento algum, a Lei criminaliza a conduta de usar a droga, mas tão somente a detenção ou manutenção da mesma para consumo pessoal. Tutela-se, aqui, o interesse da coletividade, muito mais que o do próprio usuário, pois o que se pretende coibir é o perigo de circulação da substância, resultante de sua aquisição, depósito ou manutenção pelo agente.
A Lei penal não incrimina o uso, justamente porque possui a sensibilidade necessária para não punir a autolesão e manter sua coerência constitucional. Trata-se do princípio constitucional da alteridade ou transcendentalidade, segundo o qual nenhuma lei pode punir alguém por fazer mal à própria saúde. O Direito Penal só pode tutelar bens jurídicos de terceiros, jamais punir o indivíduo que agride a si próprio, estando a Lei 11.343 em perfeita consonância com a Carta Constitucional.
Insta informar que o STF irá julgar, em breve, a constitucionalidade do art. 28 da Lei de Drogas, processo de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, aguardando julgamento (A matéria é discutida no Recurso Extraordinário (RE) 635659, à luz do inciso X do artigo 5º da Constituição Federal, que assegura o direito à intimidade e à vida privada).
Muito embora se afirme que o objetivo da descriminalização é o de tratar, e não punir o usuário de droga, deve-se ter presente que a Lei n. 11.343/2006 não impôs qualquer pena privativa de liberdade àquele que adquire ou possui substância entorpecente e, além disso, trouxe um amplo programa de prevenção e combate ao consumo de drogas.
Além do que, quando se assevera que o usuário deve ser tratado e não apenado, encara-se o problema de uma forma isolada, esquecendo-se que o que se tutela não é somente a saúde daquele, mas justamente a proteção da saúde coletiva. Trata-se de um bem maior que extrapola a esfera individual do cidadão.
Aliás, a questão da descriminalização ou não da posse de substância entorpecente não pode mais nem ser analisada apenas sob o enfoque da saúde do usuário, por envolver questões muito mais abrangentes e complexas, dado o impacto que tal medida poderá gerar no meio social, econômico etc. Basta que se tenha presente que, quanto maior o número de usuários, maiores serão os gastos do sistema público de saúde; maiores serão os crimes perpetrados para angariar dinheiro para a compra da droga; e maior será o poder das organizações criminosas.
Desse modo, a descriminalização não resolve o problema do consumo de drogas e estimula a opção da criminalidade pelo tráfico de drogas.
Se o foco da criminalização do porte não é o usuário, qual é o bem jurídico tutelado pelo artigo 28 da Lei de Drogas? O que se quer evitar é o perigo social que representa a detenção ilegal da substância, ainda que para consumo pessoal, ante a possibilidade de circulação da mesma, com a sua consequente disseminação.
O risco da tutela do porte para consumo e a necessidade de cuidados com o usuário, dependente ou não, resultou na não imposição de pena privativa de liberdade. Nem mesmo a prisão em flagrante é formalizada e não temos inquérito policial. Afastou-se o perigo de contágio, do usuário que porta a droga, com o sistema penitenciário, sem descuidar de proteger a sociedade da circulação indevida de substâncias que deterioram o nosso organismo e deturpam as prioridades de nossos jovens e adultos.
A descriminalização, ao contrário do que se pensa, surtirá o efeito deletério de estimular o consumo de drogas. Quanto mais pessoas interessadas no uso, diz a lei de mercado, maior a quantidade de fornecedores. É isso que desejamos? A multiplicação dos traficantes? Não podemos avalizar tais consequências.
O Direito Penal assume importante papel de estimular ou desestimular comportamentos sociais, de forma que, no instante em que o mesmo deixa de considerar crime a posse de drogas para consumo pessoal, muitos se sentirão à vontade para “experimentar” a substância e a tornarem-se usuários/dependentes, levando, portanto, o indivíduo a uma postura individualista, com grave perigo social.
Repetimos nossa pergunta feita em 2009: quem lucrará com isso? A sociedade? Claro que não. Quem sairá ganhando, fatalmente, será a rede mundial de traficantes, que forma a base da criminalidade organizada, que não pratica apenas infrações envolvendo drogas.
Outra variável, também já defendida por nós, é uma análise econômica da situação.
Mencione-se que há, ainda, aqueles que defendem que, ao lado da descriminalização das condutas previstas no art. 28 da Lei, também deve ser operada a legalização da droga, em especial da maconha. Com essa medida, viabilizar-se-ia a venda lícita da substância entorpecente, estrangulando a grande fonte de renda das organizações criminosas que é o narcotráfico.
Ninguém, em sã consciência, poderia defender que a perda de receita do tráfico pela legalização do uso da maconha faria com que os traficantes ficassem desestimulados a vender drogas. Ao contrário, migrariam para a segunda opção de crimes práticos no Brasil – crimes contra o patrimônio de todos. Teríamos um acréscimo nas estatísticas de furto, roubo, extorsões – sequestro relâmpago e mediante sequestro etc. Seria uma péssima estratégia de política criminal.
Em paralelo, a maconha seria trazida do exterior clandestinamente para ser vendida pelo mercado informal, sem controle de qualidade, sem recolhimento de tributos, estimulando crimes como o descaminho, continuando na esfera do Direito Penal clássico e econômico.
Em um país como o Brasil, em que é patente a sua deficiência na formação educacional, moral e religiosa, de suas crianças e adolescentes, fica difícil sustentar a descriminalização da posse de drogas para uso pessoal, em especial da maconha, pois, com isso, o Estado estará tornando ainda mais fácil o acesso da juventude a uma substância que, ao lado do álcool, como é cediço, traz efeitos nefastos à saúde.
Por todos esses motivos, o consumo e o tráfico de drogas são os dois grandes males que desafiam a nossa sociedade, mas que não podem ser debelados com a descriminalização das condutas previstas no art. 28 da Lei n. 11.343/2006 ou com a legalização da maconha, assumindo, pelo contrário, o Direito Penal, com o seu aparato, importante papel de nortear os comportamentos sociais e desestimular as condutas danosas à coletividade.