Comunicações telefônicas. Interceptação (Lei n. 9.296/96). Eficácia objetiva da autorização judicial.
Dispõe o art. 5º, inciso XII, da Constituição Federal: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. Como forma de dar aplicabilidade ao preceito constitucional, adveio a Lei n. 9.296, de 24 de julho de 1996, a qual trouxe em seu bojo normas de natureza penal e processual. Essa lei também trouxe uma restrição legal, pois não admitiu a interceptação quando o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção (cf. art. 2º, III). Isto significa dizer que somente será admissível a interceptação das comunicações nas hipóteses de crimes apenados com reclusão. Sucede que, no curso da interceptação, outros crimes podem vir a ser descobertos, inclusive, aqueles apenados com detenção. Assim, muito se discute acerca da eficácia objetiva da autorização judicial nesses casos. Exige a primeira parte do art. 2º que deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação. Assim, impõe a Lei que o juiz, ao conceder a autorização, descreva de forma detalhada, circunstancial, o fato, objeto da interceptação telefônica. Embora a questão suscite divergências na doutrina, entendemos que a ordem de quebra do sigilo vale não apenas para o crime objeto do pedido, mas também para quaisquer outros que vierem a ser desvendados no curso da comunicação, pois a autoridade não poderia adivinhar tudo o que está por vir. Se a interceptação foi autorizada judicialmente, ela é lícita, e, como tal, captará licitamente toda a conversa. Não há nenhum problema. Há também interpretação restritiva, no sentido de que isso somente será possível se houver conexão entre os crimes. Para Vicente Greco Filho, é possível, “desde que a infração pudesse ser ensejadora de interceptação, ou seja, não se encontre entre as proibições do art. 2.º da Lei n. 9.296/96, e desde que seja fato relacionado com o primeiro, ensejando concurso de crimes, continência ou conexão. O que não se admite é a utilização da interceptação em face de fato de conhecimento fortuito e desvinculado do fato que originou a providência” (Interceptações telefônicas, São Paulo, Saraiva, 1996, p. 21-22). Luiz Flávio Gomes, por sua vez, sustenta que “É válida a prova se se descobre ‘fato delitivo conexo com o investigado’, mas desde que de responsabilidade do mesmo sujeito passivo. Logo, se o fato não é conexo ou se versa sobre outra pessoa, não vale a prova. Cuida-se de prova nula. Mas isso não significa que a descoberta não tenha nenhum valor: vale como fonte de prova, é dizer, a partir dela pode-se desenvolver nova investigação. Vale, em suma, como uma notitia criminis. Nada impede a abertura de uma nova investigação, até mesmo nova interceptação, mas independente” (Luiz Flávio Gomes e Raúl Cervini, Interceptação telefônica. São Paulo: RT, 1997, p. 193/194). Nos Tribunais Superiores tem-se admitido a validade da prova quando descoberto fato delitivo conexo ao investigado, ainda que punido com detenção. Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de se manifestar no sentido de que “se, no curso da escuta telefônica – deferida para a apuração de delitos punidos exclusivamente com reclusão – são descobertos outros crimes conexos com aqueles, punidos com detenção, não há porque excluí-los da denúncia, diante da possibilidade de existirem outras provas hábeis a embasar eventual condenação. Não se pode aceitar a precipitada exclusão desses crimes, pois cabe ao Juiz da causa, ao prolatar a sentença, avaliar a existência dessas provas e decidir sobre condenação, se for o caso, sob pena de configurar-se uma absolvição sumária do acusado, sem motivação para tanto.” (STJ, 5ª Turma, RHC 13274/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 19/08/03, DJ de 29/09/03, p. 00276). Da mesma forma, no Informativo do STF, n. 365, consta pronunciamento do Ministro Relator Nelson Jobim, no sentido de que “se a escuta telefônica, executada de forma legal, acabou por trazer novos elementos probatórios de outros crimes que não geraram o pleito das gravações, especialmente quando estão conexos, podem e devem ser levados em consideração”. E, mais, ressaltou ser legítima a utilização de material de interceptação telefônica para embasar a denúncia dos crimes em que caiba pena de reclusão e os que, embora punidos com detenção, estejam conexos (HC 83515, julgado em 16/09/2004).
Pode suceder que, quando da realização da interceptação, seja descoberta a participação de outros agentes na prática delitiva, por exemplo, descobre-se que o homicído foi praticado por uma quadrilha ou organização criminosa. Assim, discute-se se a autorização judicial abrangeria a participação de qualquer outro interlocutor. Entendemos que, da mesma forma, a autorização de interceptação “abrange a participação de qualquer interlocutor no fato que está sendo apurado e não apenas aquele que justificou a providência. Caso contrário, a interceptação seria praticamente inútil. Pode ocorrer, até, que se verifique a inocência daquele que justificou a interceptação e o envolvimento de outros”. (Vicente Greco Filho, Interceptação telefônica, cit., p. 20/21).
*Fernando Capez é Procurador de Justiça licenciado e Deputado Estadual. Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Mestre em Direito pela USP e doutor pela PUC/SP. Professor da Escola Superior do Ministério Público e de Cursos Preparatórios para Carreiras Jurídicas. Autor de várias obras jurídicas. www.fernandocapez.com.br – https://twitter.com/FernandoCapez