AGÊNCIAS REGULADORAS: Competência Fiscalizatória ou Legislativa?
Na última edição de 23 de março, o Jornal Folha de São Paulo estampou como manchete “Planalto quer limitar poder das agências reguladoras por considerar que elas têm extrapolado seu poder de atuação ao formular políticas públicas, criando problemas para o Executivo”. Em seu bojo, a matéria traz declaração do Ministro das Relações Institucionais Luiz Sérgio: “Muitas vezes as agências confundem seu papel de órgão fiscalizador com o de formulador de política pública. A função de planejamento é do Executivo”.
As agências reguladoras são autarquias sob regime especial, dotadas de autonomia administrativa e financeira, estabilidade de seus dirigentes e prerrogativas necessárias ao desempenho de suas funções. São formas de descentralização administrativa, cujas funções executivas deveriam ser realizadas pela Poder Público Central, mas lhes são transferidas no interesse maior da Administração, a qual, mediante decreto do Presidente da República aprova seu regulamento e lhe fixa a estrutura organizacional.
No cenário jurídico brasileiro, apenas a Anatel e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) foram previstas pela Constituição Federal. Leis ordinárias criaram outras autarquias, dentre as quais a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), instituída pela lei nº 9.782/99. Seu apetite no desempenho de funções típicas do Congresso Nacional tem levado muitos críticos a qualificar a sua atuação como verdadeira usurpação de competências, ao arrepio do Texto Constitucional.
A constatação prática nos leva à conclusão de que alguns reguladores procuram alargar os limites de suas competências, inspirados no modelo norte-americano. O problema está justamente no fato de que não existe fundamento constitucional para o exercício de poderes legislativos por parte de tais agências.
Note-se que não se trata de propor aqui um engessamento de atividades, mas o combate à invasão da seara do Congresso Nacional, evitando que pessoas nomeadas por ato unilateral do Chefe do Executivo, com mandato fixo, possam emitir regras gerais que limitem direitos individuais, sem prévia autorização do Poder Legislativo.
Relevante, portanto, distinguir função fiscalizatória, consistente na mera edição de regulamentos e normas administrativas, desde que obedientes à lei, de função legislativa, a qual compreende a edição de regras gerais restritivas e permissivas, de acordo com as políticas públicas formuladas soberanamente por quem recebe delegação popular diretamente pelo voto. Busca-se, com isso, o equilíbrio entre a omissão da agência reguladora, prejudicial aos seus fins, e o abuso, indesejável em qualquer sociedade democrática.
A Anvisa tem sua função normativa fixada pela lei que a criou, devendo propor, acompanhar e executar as políticas, as diretrizes e as ações de vigilância sanitária. Compete-lhe, dentre outras funções, normatizar, controlar e fiscalizar produtos, substâncias e serviços de interesse para a saúde. Cabe-lhe ainda, estabelecer normas e padrões sobre produtos que envolvam risco à saúde.
A relevância dessas atividades é incensurável e indiscutível. A questão que se coloca, porém, é a seguinte: quem vai dizer o que é produto prejudicial à saúde?
Em sua mais recente polêmica, a Anvisa quer retirar das prateleiras os chamados saborizantes dos cigarros, os quais, em tese, aumentam o prazer do fumante, tornando mais difícil proteger sua saúde e evitar que ele fume. O saborizante, em si, é um produto que envolve risco à saúde mais do que o próprio cigarro, este sim, permitido pela ANVISA? A quem compete decidir tais questões? Certamente, ao Congresso Nacional, palco natural do embate de todas as ideias e forças que naturalmente defluem de uma sociedade complexa, livre e democrática como a nossa. Pode ser que, em si mesmo, até prova em contrário, o simples fato de se atribuir sabor ao cigarro não aprofunde nenhum outro dos seus já conhecidos efeitos nocivos. Pode ser, ao contrário, que seja mesmo prejudicial à saúde. De qualquer modo, o que não está certo é que a Anvisa pretenda resolver a questão por meio de uma resolução, que é o ato unilateral de quem resolve e ponto final.
Podemos citar ainda a questão que envolveu a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS em relação ao aumento autorizado para os planos de saúde. A ANS extrapolou os limites da sua competência, celebrando Termos de Compromisso para fins não permitidos pela Lei, privilegiando o setor empresarial, em detrimento do interesse público.
A função das agências reguladoras é complementar, decorrente de sua própria natureza, que é a de um ente delegatário de certas atividades. Não lhe cabe criar restrições, mas aplicar aquelas criadas por lei, dado que não possui poder legiferante.
A esse respeito, a CF é suficientemente clara: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei.”. Às vezes, pode ser angustiante aguardar a lei, mas esse é o preço da Democracia.